sábado, 31 de julho de 2010

BORDEL MANAÍRA


*Nota explicativa: não se trata de um conto, mas de uma triste realidade


A ruas, legalmente, são bens públicos de uso comum do povo. Mas o fato de ser público, não permite que o ambiente seja usado indiscriminadamente para qualquer fim. Lamentavelmente, nossa sociedade parece não perceber isso. E, assim, pouco a pouco, Manaíra foi sendo abandonada. Pelo menos, duas de suas artérias principais, a Av. Edson Ramalho e a Av.João Maurício estão totalmente tomadas pela prostituição.
A denominação Manaíra significa “Seios de Mel”. Refere-se a uma triste lenda indígena. Manaíra era uma jovem e bela índia que fugiu por amor para casar-se com um jovem índio de outra tribo. Ocorre que ela estava prometida ao índio Piancó, um poderoso chefe tribal dos índios Coremas. Pela ousadia, o Cacique Cangussu, pai de Manaíra, entrou em guerra com a tribo de seu amante. Ao final, consagrando-se vencedor na batalha o Cacique Cangussu mandou matar a bela jovem Manaíra e seu amante. Tudo pela honra de sua palavra perante Piancó.
Pois, eis que a lenda de Manaíra parece assombrar o bairro que a homenageia. Lá, a honra não tem espaço entre as crianças semi-nuas que ofertam sua pureza ao preço vil do abandono social. Não se diga que tudo ocorre, na escuridão da madrugada, na calada da noite ou nas trevas. Tudo começa ainda cedo, no horário do rush, sob as luzes dos painéis publicitários e milhares de faróis que iluminam o caminho de casa. Os atletas continuam suas caminhadas e corridas, desviando dos sensuais obstáculos vivos e oferecidos. A família passa assustada. Estão todos embaraçados. Pais e filhos já não ousam caminhar na beira-mar. As jovens turistas desavisadas recebem propostas e buzinas como souvenir de nosso paraíso urbano. Obviamente, no decorrer da noite o abuso continua. A inocência se perde nos carros, não raramente, luxuosos e envenenados pela luxúria irresponsável de seus condutores. São meninas, meninos, mulheres e homens, no comércio profano do corpo, lambuzados em mel impuro da omissão que atrai a corja covarde que habita os formigueiros do oportunismo.

A polícia passa, mas não para. As autoridades sabem, mas não agem. A sociedade vê, mas ignora. Todos estamos preocupados com temas mais relevantes que a exploração sexual de menores e de maiores. De nada importa a degradação humana, em meio ao álcool, ao fumo, e as drogas. De nada importa o rufianismo paterno, materno ou de qualquer outra modalidade familiar. Nada disso é importante. Manaíra virou um bordel ao céu aberto. Um luxuoso antro com uma vista linda para o mar ou para suntuosidades das lojas de grandes marcas e impérios econômicos. Manaíra faz dinheiro vinte quatro horas. Isso é importante! Somos os Cangussus da pós-modernidade. O dinheiro é o Piancó dos nossos tempos, e a ele tudo, até a honra de Manaíra.

Mas, o que eu tenho com isso? Nada. Afinal, sou apenas um orgulhoso campinense residente em Intermares e apaixonado por nossa Capital.

domingo, 18 de julho de 2010

O DIGNÍSSIMO

O dia começou acelerado para ele. Hoje era o grande dia. Finalmente, ele iria encontrar Alice. Alan era um cara bonito, alto, bom papo, extrovertido. A questão era: Alice não era sua namorada. Sua namorada era Paula. Paula, por sua vez, era linda. Realmente era de uma beleza angelical, detentora daqueles rostos instactos, imaculados, que só as meninas mais santas podem ter. Paula era para casar! Mas, Alice era uma coisa! Uma coisa diferente, mas uma coisa... Alice era para se pegar. Assim, Alan estava decidido: pegar Alice, casar com Paula.

O nó górdio era que Alice não sabia de Paula. Obviamente, a recíproca deveria ser necessariamente verdadeira. Por isso, Alan ligou, logo cedo, para Paula:

- Amor, o dia tá uma correria! Vou tentar acabar tudo para nos vermos a noite! Como você está? Tudo bem? Que bom...

No início da noite, Alan ligou para Alice e combinou de se encontrar com ela num bar. Disse que iria logo após um jantar de família, aniversário de um primo querido. Sabe como é... Em seguida, ligou para Paula:

- Paixão, vou chegar cedo, hoje, aí! Tou cansado. Senão acabo dormindo, ok? E quero muito lhe ver! Beijo, amo demais!

Alan chegou em tempo para sentar-se à mesa durante o jantar. Comeu muito, dizia-se faminto. Paula, sempre mimando-o oferecia um pãozinho, uma sopinha, etc. Logo após a ceia, foram para a sala, quando o telefone dele toca. Ele olha o visor e não atende. Paula observou tudo, mas acabou preferindo não se manifestar. Eles sentam-se ao sofá e trocam os primeiros beijos, quando, então, o telefone vibra na calça de Alan. Ele não atende. Com poucos minutos, ele se levanta e vai ao banheiro. Paula resolve segui-lo e quando se aproxima do corredor, na frente do banheiro, Alan, ainda no telefone, emposta a voz e fala:

- Poxa, Jack! Vou nada cara! Tou mortinho vou dormir cedo hoje! Beleza? Vou indo.

Jack era o irmão de Alan. Nesse momento, Paula caminhou até o seu digníssimo namorado, deu-lhe um beijo na face e disse:

- Meu bem, você tá cansadinho, né?! Então vou lá pro quarto que também quero deitar cedo hoje.

Então Alan respondeu:



- Já meu docinho!? Tudo bem... Vou conversar com seu pai, no terraço, depois vou lá me despedir de você.

Ela para o quarto, ele para o terraço. Alan, então, ligou para Alice reforçando o encontro. Falava baixinho. Enquanto isso Paula estava no MSN, puta da vida. Sabia que estava sendo enganada, mas não sabia o que fazer. De repente, «José Acaba de iniciar sessão». José era um colega de academia. Bichozinho perigoso esse. Ela o achava lindo e gente boa, além disso, ele sempre a seguia com os olhos pelo maquinário durante os exercícios. Outro dia, Alan discutiu com ela a razão dele estar adicionado ao MSN de sua amada. Foi uma briga feia, depois nem ela sabia o porquê de ter defendido a adição dele ao seu rol de amigos. Enfim, José começou logo a conversa:

José diz: Boa noite! Como vai a princesa mais bela do Reino?
Paula diz: Boa noite J
José diz: O que você faz aqui essa hora? Namorando não?
Paula diz: Fui abandonada!
José diz: Que pecado! Eu num faria isso.
Paula diz: Não? Faria o que?
José diz: Eu estaria ao seu lado, o mais próximo que fosse possível, que vc deixasse tb lógico
Paula diz: hummmm parece interessante
José diz: seria sim
Paula diz: Mas isso num é possível. Essa aproximação.
José diz: é sim, liga a cam

Paula ligou a webcam e deu um sorriso malicioso que contrastava com sua face angelical. A conversa, então, continuou por um bom tempo, até aqui:

José diz: Vc é muito...
Paula diz: o q?
José diz: linda! E tb outras coisas
Paula diz: vc acha?
José diz: acho e faz tempo, vc sabe disso
Paula diz: sei sim tb acho vc bem interessante
José diz: é?
Paula diz: é, esse seu corpo é bem forte
José diz: isso num vale eu aqui só de short, vc aí embalada na cama. Isso é lençol né?
Paula diz: rsrsrss é sim, mas vc acha que posso me livrar deles?
José diz: demorou gatinha
Nesse momento, enquanto Alan camuflava as ligações em que arquitetava o seu álibi, sua namorada se despia de forma ardente defronte a tela do laptop. Sua beleza invadia o monitor de José que em êxtase manipulava sua masculinidade. O digníssimo ao telefone, ela na webcam, José na mão e a Alice, a outra, sussurrando por companhia. Nessa algaravia frenética e sexual... José tinha tudo. Tinha o corpo lindo de Paula com seu rosto angelical transformado. Seus seios rígidos e firmes. O corpo de Paula era dotado de curvas únicas. Tratava-se de uma sinuosidade afrodisíaca. Seus segredos tão bem cuidados, eram um convite ao amor. José via, não cria, mas queria. Sua carne transpirava, por seus poros escorria o desejo de ali estar entre os lençois do anjo Paula. Pensava em se jogar na tela, só para ter o prazer de sentir a imersão naquele ambiente, que exposto estava na sua bendita frente. Nesse momento, o digníssimo bate à porta. Paula fecha o notebook e veste a primeira roupa que encontra. Abre a porta e fala:

- Oi amor! Já vai?

Alan responde com aquela atuação digna de um Oscar:

- Tenho que ir. Tou morto. Beijinho.

Assim, Alan encontrou Alice. Os dois ficaram algumas vezes, mas logo ela percebeu o seu jogo e nada mais rolou. Paula se entregou a José, primeiro virtualmente, depois teve a dignidade de se entregar pessoalmente de cabeça erguida e sem dúvidas. Até que chegou o dia em que Paula deixou Alan e José foi elevado aos céus, na condição de digníssimo namorado do anjo.

terça-feira, 6 de julho de 2010

NADA

Alberto era o caçula da família de três irmãos. Seus irmãos sempre foram fortes e atléticos, mas Alberto não. Na verdade, Alberto, apesar de não se dedicar a qualquer esporte, tinha uma estrutura física avantajada. Fazia questão de dizer: "Tudo natural! Sem malhação nenhuma! só o dedinho de Deus.". Por ser o caçula, Alberto sempre foi protegido e isto acabou afetando-lhe a personalidade. Talvez por não ter resolvido boa parte das broncas que patrocinara na adolescência, Alberto tornou-se um namorado altamente ciumento e machista. Azar da Ana.

Ana reclamava, mas, no fundo, gostava do ciúme excessivo de Alberto. O estilo dele - “homem brabo do sertão” - tinha lá seu charme. Porém, Alberto, vez por outra, mandava ela se calar na frente dos outros. O ato machista e agressor encontrava em Ana apenas obediência. Assim, do namoro para o noivado foi um pulo. O casamento chegou tão rápido quanto. Festa linda, com um certo requinte. Ana muito feliz. Alberto meio incomodado com tanta “cerimônia”, mas cumpriu seu papel. Aguentou as infinitas fotos. Depois, concluiu que não sorriria mais durante meses, o estoque havia esgotado.
A vida de casado ia bem entre os dois. Alberto não era farrista, era do tipo que bebe domingo, mas só em casa com os amigos e a família, sem badalações. Ana, até que gostava de um movimento, mas abdicara, conscientemente, desta predileção no “sim” do casamento. Alberto gostava mesmo era de receber os irmãos, os cunhados, seus pais e sogros em casa. Comer bem, beber melhor ainda, e jogar conversa fora enquanto as mulheres lavavam a louça.

No entanto, apesar de toda essa vida pacata que levava, Alberto fazia questão de demonstrar seu ciúme. Certa vez, por exemplo, proibiu Ana de comprar qualquer coisa na padaria do bairro, pois cismara que o padeiro “estava sorridente demais” para sua esposa. Ana ficava revoltada, mas se submetia. Porém, Alberto tinha uma grande qualidade, era atencioso com sua família. Não deixava de cumprir com os compromissos familiares, enfim muito trabalhador. E mesmo, na vida puxada de engenheiro civil de uma grande construtora pessoense, fazia questão de pegar e levar as crianças no colégio.

O espírito agitado do varão afetava-lhe o sono, que acabava por ser leve. Facilmente, despertava a qualquer sinal de barulho. Muitas e muitas noites, acordava, na madrugada, achando ouvir algum barulho estranho nos arredores da casa. Por vezes, eram gatos em coito, naquela algarraza felina que parece violenta, mas sem a qual não haveria os amados gatinhos. Outros barulhos não eram identificados. Essas ocorrências acabaram por se tornar rotina. Alberto acabava por aproveitar-se da situação e fazer uma média com Ana. Perguntava:

- Você ouviu? - mesmo sem ter certeza se ouvira.
Ana respondia assustada:
- Não! O que?!
E Alberto aplicava o golpe:
- Vou ver! Reze para não ser nada, pois se pego um marginal aqui... eu mato!
Ana ficava apreensiva, até o retorno do amado. Alberto de forma segura e enfática pronunciava:
- Não era nada, Amor. Venha mais para cá, venha...
Ana tinha motivos para sua apreensão, pois em poucos anos a vizinhança se modificara, de um lugar calmo e tranqüilo, para um ponto perigoso. Ocorre que, certa noite, Alberto acordou com um barulho realmente. Eram passadas no jardim. Pensou no que fazer, mas um frio percorreu-lhe a espinha, um suor gélido inundava a testa. O pior que as passadas eram intercaladas com barulhos outros. Ana acabou por acordar. E disse:
- Amor! Tem alguém lá fora!
Alberto, após uma certa pausa, respondeu:

- Não é nada, Ana.
Ana, no entanto, retrucou:
- Você não está ouvindo!? Tem alguém lá fora! No quintal!
Alberto, então, segurou-lhe o rosto com as duas mãos e repetiu lentamente:
- Não é nada Ana! Nada! Entendeu!?
No dia seguinte Alberto sentira falta dos sapatos que colocara para secar após engraxá-los. Ana, também, sentira falta das roupas que estavam no varal, mas nem chegara a comentar com Alberto. Na verdade manchas de pés no muro do quintal falavam por si próprias. No final de semana seguinte, Albertou pintou todo o muro. Desde então, Alberto não mais incomodou Ana com perguntas controladoras.
Na primeira reunião de família seguinte, recebendo o cunhado em casa, após o almoço, colocou o avental e começou a lavar a louça. Seu cunhado surpreso disse de forma jocosa:
- Lavando os pratos! Que novidade é essa?
Ao que Alberto respondeu firme e sério:
- Isso mesmo! O que tem de mais nisso? Lavar? Passar?!
O cunhado então respondeu:
- Nada, ora!
Replicou Alberto em sua intervenção final, meio disperso:
- Pois é, não é nada demais. Nada...
 
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