segunda-feira, 15 de novembro de 2010

OS PRESENTINHOS

Pedro namorava Marcinha já há muito tempo. O relacionamento de tão estável ficou monótono. A rotina dos pombinhos era tão severa que o tédio reinava no coração da jovem namorada, que sentia falta dos arroubos e suspiros próprios das paixões violentas e carnais. Pedro nem se tocava, mas faltava adrenalina no romance e sobrava a previsibilidade da mesmice de cada dia. Realmente a burocracia entre o casal era de tal forma dominante, que Marcinha era capaz de descrever detalhadamente a sequência de cada encontro futuro, inclusive do sexo. Reclamava a Carla, sua ouvidora mor:

- Primeiro ele me beija assim, depois eu beijo ele assim. Aí, ele me despe assim, eu tiro a blusa dele, etc. Não muda nada, nunca, amiga! Nunca! Eu juro! Pode uma coisa dessas?

A monotonia tornou-se insustentável. Numa certa noite de sexta, após o coito ordinário da semana, no motel mais próximo de casa, Pedro caiu na besteira de perguntar:

- Gostou meu bem? Foi gostoso?

Marcinha foi sincera como não se costuma ser e respondeu:

- Foi não. Na verdade Pedro, foi uma merda!

Pedro ficou surpreso e envergonhado de si próprio. A pressão de Marcinha sobre ele não foi pouca. Confessou que estava entediada, que Pedro era o culpado, pois não era criativo e fazia do namoro um filme previsível, daqueles tão cheios de clichês que o expectador dorme, inexoravelmente, antes do fim. Pedro se vestiu, pagou a conta e deixou Marcinha em casa sem dizer uma palavra. Foram cinco dias de silêncio. Até que Pedro se encheu de coragem e ligou para sua amada. Pediu uma nova chance. Jurou que iria surpreendê-la. Marcinha cedeu sem muita resistência. Sinceramente, ela estava até empolgada, achava que sua sinceridade extrema talvez acabasse se revelando benéfica, pois teria acordado o pacato Pedro.

Pedro atacou inicialmente com jantares e mimos surpresas. Roupas, também, fizeram parte do repertório inicial. No entanto, em poucos meses já não havia mais um restaurante em João Pessoa que o casal não conhecesse. Os motéis também estavam dominados. Portanto, Marcinha voltou a reclamar.

Em franco desespero, Pedro resolveu ser mais incisivo e contundente. Passou a presentear Marcinha com lingeries. Cada uma mais ousada e sexy que a outra. Marcinha gostou. Depois ele apelou para alguns filmes eróticos. Marcinha adorou. Enfim, resolveu dar à doce menina uns presentinhos especiais: uns brinquedinhos sexuais. Começou com geles estimulantes, depois massageadores clitorianos. Marcinha amou. Depois, partiram para os vibradores. Foram vários e dos mais variados. Experimentaram de tudo que esteve ao alcance. Marcinha conheceu o nirvana. A chegada de Pedro com um novo embrulho nas mãos fazia Marcinha ferver. Um pacotinho que fosse já lhe dava um arrepio. Quando era dos grandes, então, ela ficava maluca. O acúmulo dos presentinhos fez com que ela disponibilizasse um maleta só para abrigar os apetrechos da plena intimidade do casal.

Mas o tempo destrói tudo. Mesmo com todo o aparato sexual que a maleta oferecia, as coisas esfriaram. Assim, o namoro se foi. Dessa vez, foi até Pedro que tomou a iniciativa. No entanto, poucos dias depois, por mais que aceitasse o fim do relacionamento, o pacato garoto não suportava a ideia de Marcinha brincar com os presentinhos na companhia de outros coleguinhas. Pedro respirou fundo e ligou para a ex:

- Marcinha, tudo bem, acabou. Mas quero a maleta! Ouvistes? Quero tudo! Devolves tudo!

Marcinha se recusou a restituir. Primeiro, pois, por mais estranho que pareça, adorava abrir a maleta em sua intimidade e pensar nos momentos que viveu. Segundo, porque, também, não queria pensar na hipótese de Pedro fazer uso deles em outro playground. A negativa causou uma briga sem precedentes entre os dois. O respeito passou longe e a baixaria ascendeu de forma devastadora.

Foi então que Pedro, inescrupulosamente, ameaçou contar tudo a Dona Marta, a mãe de Marcinha. Sem saída, a pobre garota cede perante à chantagem e aceita o encontro para resgate dos regalos da discórdia.

- Poxa, Pedro! És um escroto! Ouvistes!? Tudo certo, devolvo esta maleta desgraçada.

No local designado, em um velho terreno baldio no Bessa, os ex-amantes se encontraram, após meses de intrigas e desentendimentos. Lá, finalmente, transacionaram um acordo. A maleta foi aberta, conferiram cada brinquedinho, um a um. Enfim, a maleta foi fechada. Ato contínuo, Pedro derramou querosene sobre ela e ateou fogo. Enquanto as chamas consumiam o depósito guardião dos presentinhos, Marcinha finalmente suspirava e se inundava novamente de desejo, afogada em tantas lembranças que, agora, literalmente eram apenas cinzas ao vento. Pedro, por sua vez, chorava copiosamente entre soluços.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

O CRAVO E O ROSA

Amadeus Rosa era um cara de pouca sensibilidade. Isso não o fazia propriamente mal-educado, entretanto nem sempre era cortês. Dessa forma, ele era um tanto bruto, por vezes, rude. Sempre de falas curtas e com pouca paciência para as questões fúteis ou triviais da vida, primava pela respostas diretas e pelas perguntas estritamente necessárias. Por toda essa crua objetividade, os amigos o chamavam de Rosa. Afinal, seu sobrenome casava de forma verdadeiramente paradoxal com a delicadeza que lhe faltava. Assim, Amadeus era, floridamente, referido sob a alcunha de «ROSA» ou «O ROSA». E, como bem sabemos, as rosas têm espinhos.

Olívia Blanc era o inverso. Um doce de pessoa. Menina fina, em verdade, era muito bem educada. Sua família era importante, mas economicamente decadente. Mas na corte o que vale é a origem, portanto para uma Blanc a pose era importante. A etiqueta impecável era sua marca. Além disso, era prendada nos afazeres domésticos, dominava a arte da gastronomia, fosse o prato regional, nacional e internacional. Foi justamente numa noite especial, regada por finas iguarias gastronômicas que ela conheceu o Rosa.

Era a festa de uma amiga de Olívia. Um amigo do Rosa o chamou, pois não queria ir sozinho. Rosa relutou, mas foi. Na festa, àquela altura, um tanto entediante, ele encontrou Olívia. De imediato, o tempo parou. Era como se Deus apertasse um «slow motion», no controle remoto da vida. Cada movimento dela era milimetricamente analisado e admirado, seu rosto era de devoção dogmática. Ele parecia inspecionar, um a um, cada centímetro de Olívia, cada poro de sua pele. Rapidamente, Olívia comentou com uma amiga:
- Olha só como aquele cara me olha! O que será que ele quer?
A amiga rindo sussurrou:
- Te comer!
Rosa caminhou em sua direção e se apresentou. A conversa iniciou-se amena, com os «O que» e «Quem» de sempre: O que você faz?, O que você gosta?, Quem você conhece aqui?, etc. No meio do papo, quase do nada, o Rosa falou:
- Princesa, posso te dar um beijo?
Olívia respondeu:
- Tá Louco!? Mal te conheço!
Rosa:
- Nenhuma forma melhor de conhecer há que essa! – e tacou um beijo daqueles.
Olívia de início resistiu, mas foi mais forte do que ela. Não Rosa, o desejo. A insustentável leveza do ser a empurrou para os braços do bruto, demoradamente. Quase perderam o fôlego. Quando, finalmente, ela falou:
- Você é muito atrevido, Amadeus!
Ele:
- Nada disso. Sou homem. Você que tá mal acostumada, andando muito com esses burguesinhos. Ainda não sabe como é um homem de verdade.
Olívia com um ar desafiador, retrucou:
- Ah, é?! Suponha que você deva ser um homem desse espécime genuíno. Uma pena você achar que eu não sei o que é um homem de verdade.
Foi quando o Rosa disse:
- Não sabe mesmo! Mas se quiser saber, estou aqui.
Olívia pareceu se transformar. Puxou o Rosa pela gola da camisa e disse:
- Siga-me se for capaz... de verdade.
Refugiaram-se num pequeno quartinho. Era uma dispensa, cheia de salgadinhos, docinhos, bebidas, enfim, o buffet da festa estava ali. Lá, beijaram-se, abraçaram-se, trocaram carícias intensas. Rosa ainda tentou:
- Você é louca é? Alguém pode chegar! Vamos sair daqui!
Olívia vitoriosa e maliciosamente disse:
- Para onde foi aquele homem de verdade que tava lá fora? Acho que continua por lá. Será que tenho que te abandonar e procurar por ele?
Rosa a agarrou com mais força e a despiu parcialmente. Sem suportar mais o desejo, a fidalga moça cedeu. Apoiada entre as prateleiras se entregou com classe. A mão direita se afundou numa bandeja de pastéis, a esquerda, numa de docinhos. Enquanto sua libido se libertava, Olívia experimentou um dos docinhos. «Uma delícia!», pensou. Assim, entregue ao impulso, ela degustava os docinhos compulsivamente. Eram daqueles que tem um cravo-da-índia fincado no meio do docinho de côco. E a cada movimento brusco do Rosa, Olívia mordia o cravo, enquanto o espinho que lhe alcançava denunciava que estava mais viva do que nunca. Ela consumia o cravo e o Rosa. Olívia, enfim, aceitara que era uma grande pecadora. Gulosa como ela só!
 
Web Analytics