domingo, 30 de janeiro de 2011

O CAOS

Quando ele acordou, pulou da cama como se ele estivesse ardendo em chamas. Não tinha a menor noção de onde estava. Também não reconhecia a mulher despida que parecia dormir no carpete do quarto. Sentiu um nojo violento da companheira de alcova, por muito pouco, não a esbofeteou naquele mesmo instante. Porém, cinco segundos de consciência foram suficientes para que todo seu asco se voltasse para si próprio. Afinal, pensou, «Eu que me meti aqui!».

Tentou acordar a misteriosa mulher postada com as pernas cruzadas e coberta de pétalas de rosas, mas logo percebeu que ela estava apagada. Como diabos ela ficou assim?! Observou a seringa ao lado da cama. Ela estava drogada e por isso não reagia. Viu que ele também estava picado na veia braquial. Encontrou uma caixa de medicamento. Era de «liprecia». Resolveu guardá-la, podia ajudar em algo. Preocupado, só pensava em sair dali.


Procurou suas roupas, mas só encontrou a cueca e as calças. Estava descalço, sem camisa e sem carteira. Olhou pela janela do quarto e viu que estava em um apartamento bem alto. Pensou para onde podia ir, mas sentiu um arrepio frio na espinha, quando percebeu que não lembrava o endereço de casa. Não fazia ideia onde morava, apenas lembrava que era perto da praia, talvez bessa ou intermares. Independentemente, tinha que sair rápido, não queria ser responsável pela morte ou overdose daquela mulher.


Abriu a porta do quarto cautelosamente, sentiu o ardor do calor dos trópicos. Devia ser perto do meio-dia ou talvez já estivesse no meio da tarde. O apartamento estava silencioso, mas a sala estava uma zorra. Garrafas, copos, resto de petiscos, as luzes ainda estavam ligadas. Estiveram muito mais pessoas, aqui, ontem, pensou. Viu algumas fotos na parede da sala, era da mulher que estava no quarto. Ela era jovem e bem atraente. Para sua surpresa, ficou claro que ela era casada e tinha um filho. Pelas imagens, qualquer um diria que eram muito felizes. A essa altura, seu coração parecia querer saltar pela boca. Devia ser gente poderosa, o apartamento era enorme e muito bem decorado, tudo com cara de excesso e suntuosidade. Teve a ideia de voltar ao quarto, no closet, encontrou roupas masculinas. O cara parecia maior, mas as peças serviram. Pegou uma camisa e uma sandália. Só imaginava o marido o flagrando com suas roupas e mulher. Tentou, novamente, achar sua carteira, mas nada encontrou. Voltou a examinar a mulher, ela era muito bonita e continuava imóvel em meio as pétalas, mas ainda parecia respirar.

Abriu a porta do apartamento, pegou o elevador, e com a melhor cara-de-pau que conseguiu protagonizar passou pela recepção. O porteiro o cumprimentou timidamente com a cabeça, ele retribuiu meio sem jeito. Não queria poder ser reconhecido. Logo, ele alcançou a rua. Sabia que tinha um carro, mas não lembrava qual. Ademais, sem carteira e chaves, concluiu que ou não chegara de carro ou perdera as chaves. Além disso, seu carro podia ser qualquer um daqueles que estavam na frente do luxuoso prédio. Resolveu ir caminhando. Logo, percebeu que não sabia para onde ia. Perguntou a uma Senhora:

- Para que lado fica o mar? O Bessa?

A senhora respondeu que ele já estava no Bessa, um tanto assustada com a aparência confusa e desnorteada daquele jovem. E, em seguida, apontou qual a direção do mar. Assim, ele seguiu agustiado. Não muito longe, com poucos minutos de caminhada, ele chegou na Avenida Governador Argemiro de Figueiredo. Observou seus bares, lembrou que já tinha frequentado todos, mas não conseguia lembrar com quem ou as noites que ali passara. Entrou em desespero. Lembrava que a polícia tinha um número, mas não sabia qual. Logo, desistiu das vias legais. O que iria dizer? Que acordou drogado ao lado de uma mulher nua e, talvez, a essa hora, morta?


Sentou a beira-mar e refletiu por horas. De repente, as lembranças foram retornando. O medo extremo e a sensação de abandono foram se esvaindo. Em seu lugar, a perplexidade tomava conta de sua mente. Pegou a embalagem de «liprecia»* e arremessou com ira. Continuava não lembrando nada da noite anterior. Mas relembrou quem era a mulher, como podia ter chegado lá e, então, chorou copiosamente. A culpa era ensandecedora. Entre soluços, desesperado correu para buscar ajuda! Queria que sua irmã ainda tivesse uma chance, pois não entrevia mais salvação para si no caos.

*http://www.cocadaboa.com/archives/003760.php

 
Web Analytics