terça-feira, 2 de novembro de 2010

O CRAVO E O ROSA

Amadeus Rosa era um cara de pouca sensibilidade. Isso não o fazia propriamente mal-educado, entretanto nem sempre era cortês. Dessa forma, ele era um tanto bruto, por vezes, rude. Sempre de falas curtas e com pouca paciência para as questões fúteis ou triviais da vida, primava pela respostas diretas e pelas perguntas estritamente necessárias. Por toda essa crua objetividade, os amigos o chamavam de Rosa. Afinal, seu sobrenome casava de forma verdadeiramente paradoxal com a delicadeza que lhe faltava. Assim, Amadeus era, floridamente, referido sob a alcunha de «ROSA» ou «O ROSA». E, como bem sabemos, as rosas têm espinhos.

Olívia Blanc era o inverso. Um doce de pessoa. Menina fina, em verdade, era muito bem educada. Sua família era importante, mas economicamente decadente. Mas na corte o que vale é a origem, portanto para uma Blanc a pose era importante. A etiqueta impecável era sua marca. Além disso, era prendada nos afazeres domésticos, dominava a arte da gastronomia, fosse o prato regional, nacional e internacional. Foi justamente numa noite especial, regada por finas iguarias gastronômicas que ela conheceu o Rosa.

Era a festa de uma amiga de Olívia. Um amigo do Rosa o chamou, pois não queria ir sozinho. Rosa relutou, mas foi. Na festa, àquela altura, um tanto entediante, ele encontrou Olívia. De imediato, o tempo parou. Era como se Deus apertasse um «slow motion», no controle remoto da vida. Cada movimento dela era milimetricamente analisado e admirado, seu rosto era de devoção dogmática. Ele parecia inspecionar, um a um, cada centímetro de Olívia, cada poro de sua pele. Rapidamente, Olívia comentou com uma amiga:
- Olha só como aquele cara me olha! O que será que ele quer?
A amiga rindo sussurrou:
- Te comer!
Rosa caminhou em sua direção e se apresentou. A conversa iniciou-se amena, com os «O que» e «Quem» de sempre: O que você faz?, O que você gosta?, Quem você conhece aqui?, etc. No meio do papo, quase do nada, o Rosa falou:
- Princesa, posso te dar um beijo?
Olívia respondeu:
- Tá Louco!? Mal te conheço!
Rosa:
- Nenhuma forma melhor de conhecer há que essa! – e tacou um beijo daqueles.
Olívia de início resistiu, mas foi mais forte do que ela. Não Rosa, o desejo. A insustentável leveza do ser a empurrou para os braços do bruto, demoradamente. Quase perderam o fôlego. Quando, finalmente, ela falou:
- Você é muito atrevido, Amadeus!
Ele:
- Nada disso. Sou homem. Você que tá mal acostumada, andando muito com esses burguesinhos. Ainda não sabe como é um homem de verdade.
Olívia com um ar desafiador, retrucou:
- Ah, é?! Suponha que você deva ser um homem desse espécime genuíno. Uma pena você achar que eu não sei o que é um homem de verdade.
Foi quando o Rosa disse:
- Não sabe mesmo! Mas se quiser saber, estou aqui.
Olívia pareceu se transformar. Puxou o Rosa pela gola da camisa e disse:
- Siga-me se for capaz... de verdade.
Refugiaram-se num pequeno quartinho. Era uma dispensa, cheia de salgadinhos, docinhos, bebidas, enfim, o buffet da festa estava ali. Lá, beijaram-se, abraçaram-se, trocaram carícias intensas. Rosa ainda tentou:
- Você é louca é? Alguém pode chegar! Vamos sair daqui!
Olívia vitoriosa e maliciosamente disse:
- Para onde foi aquele homem de verdade que tava lá fora? Acho que continua por lá. Será que tenho que te abandonar e procurar por ele?
Rosa a agarrou com mais força e a despiu parcialmente. Sem suportar mais o desejo, a fidalga moça cedeu. Apoiada entre as prateleiras se entregou com classe. A mão direita se afundou numa bandeja de pastéis, a esquerda, numa de docinhos. Enquanto sua libido se libertava, Olívia experimentou um dos docinhos. «Uma delícia!», pensou. Assim, entregue ao impulso, ela degustava os docinhos compulsivamente. Eram daqueles que tem um cravo-da-índia fincado no meio do docinho de côco. E a cada movimento brusco do Rosa, Olívia mordia o cravo, enquanto o espinho que lhe alcançava denunciava que estava mais viva do que nunca. Ela consumia o cravo e o Rosa. Olívia, enfim, aceitara que era uma grande pecadora. Gulosa como ela só!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

 
Web Analytics