sábado, 13 de março de 2010

O ESPASMO

Martinho era um namorado exemplar. Daqueles que as mulheres quando ouvem notícia sentenciam: «Queria um assim!» Marlene tinha ciência disto, e zelava por seu noivo com todo carinho do mundo. Constantemente, confidenciava com sua mãe e amigas os gestos nobres do noivo, seus galanteios e, principalmente, o respeito que Martinho a tratava.

A verdade é que Martinho merecia sua fama. Sempre de bem com a vida, tinha uma filosofia um tanto sui generis quanto aos relacionamentos amorosos. Costumava dizer que:

- Relacionamento quem faz são os relacionados. Nada mais que isso. Aliás, só isso, e pronto!

Por isso, evitava bebedeiras e, mais ainda, qualquer contato próximo com mulheres. Seus amigos zombavam, mas no fundo todos invejavam a capacidade de Martinho de driblar as oportunidades perigosas. Se ia ao racha de futebol, acompanhava os amigos até a cervejaria, mas após o primeiro, ou no máximo segundo gole, saltava da cadeira e:

- Vou nessa! A Marlene me espera... E mulher como ela não existe!

Realmente, Marlene era linda. E tinha um corpo inacreditável. Centímetro por centímetro, poderia ser inspecionado sem qualquer imperfeição. Uma deusa grega, no Olimpo de Martinho.
Certa vez, no trabalho, uma colega lhe convidou para tomar um chope para aliviar o estresse. E olha, que essa colega não era qualquer uma não, era, simplesmente, a Lívia Campos, sobrinha do governador. Todos da empresa diziam que ela estava na do Martinho. Mas ele, no dia do convite, a chamou para um canto de parede e soltou:

- Olha só Lívia, eu sou Noivo! Entendes? E não posso tá aliviando estresse por aí! Ok? Ou devo chamar a Marlene?

A pobre Lívia, renegada dessa maneira, nunca mais ousou dirigir-lhe qualquer convite ou insinuação.

Certo dia, Martinho recebeu a ligação que o marcaria. Uma voz feminina rouca e lânguida. O impulso inicial foi destratar a oferecida, mas aquela voz não merecia desprezo. Pelo contrário! Era uma voz atrativa, daquelas que soam como verdadeira melodia aos feromônios. Uma voz de sereia, cujo prazer de audição enlouquece e fascina. Enfim, Martinho sentenciou que a voz merecia ser melhor e mais ouvida. No entanto, Martinho avisou logo:
- Sou noivo! Ouvistes?!

No entanto a reposta foi um simples:

- Eu sei... e não me importo. Simplemente, não ligo! E te dido mais, não tenho interesse algum em acabar seu noivado com a Lene...

Desde então, Martinho era tentado dia e noite. Recebia ligações com elogios. Mensagens anônimas no celular. O que mais lhe intrigava era que a interlocutora anônima de certa forma lhe policiava os passos. Neste mistério, permaneceu por meses. Até que aquela bela voz o convidou para um encontro. Martinho relutou, mas aceitou. O encontro fora marcado...

Martinho chegou no centro da cidade, e, de frente à pousada que combinou, utilizou um orelhão para ligar para Marlene, certificando-se que a mesma encontrava-se na faculdade. Respirou fundo e lentamente, tentando controlar seus batimentos cardíacos. Olhou o dizer luminoso com o nome do estabelecimento de hospedagem e adentrou em suas dependências. Procurou o corredor que levava aos quartos, seguiu até o quarto 130. Olhou a maçaneta atentamente, agarrou-lhe e suavemente abriu a porta. Lá estava...

Helena! Ou melhor, Dona Henlena, sua sogra! Em uma convulsão inebriante sua vida fora devassada por si próprio, numa espécie de retrospectiva íntima e não autorizada. Lembrava de Marlene. De Seu Bento, um homem tão bom... Mas a realidade era patente e estava literalmente desnuda em sua frente. Ou melhor, estava apenas com um belo vestido branco e decotado nas costas, sem qualquer lingerie, um anjo tentador e lascivo. E neste mar revolto de conflito e aflição não podia deixar de reconhecer a esplendorosa forma de Helena. Como pudera nunca desejar a D. Helena?

Naquele instante, Helena deslizou pelo carpete se aproximando de Martinho. Pegou-lhe a mão e o conduziu até a beira da cama. Abriu-lhe a camisa e o acaríciou, enquanto se aproximava. Depois, tirou-lhe a camisa, o cinto, os sapatos. Beijou-lhe o abdômen. Levantou e retirou o vestido, abraçando-o com força. Foi quando, consumado pela culpa e pelo desejo, ao ser tocado, levemente, por Helena, que com as pontas dos dedos do pé percorreu-lhe a perna, Martinho tentou falar. Tentou ainda explicar-se. Tentou ao menos agarrá-la, mas um espasmo o derrubou. Um espasmo cruel expulsara sua virilidade e todo seu desejo. Uma erupção de sementes que tornou-lhe um deserto sem vida. Sentiu-se humilhado, e se recolhera ao chão, encolhendo-se como um feto. Helena insistiu com beijos em sua face, mas Martinho já não estava lá. Desiludida Helena o deixou inerte no solo.

No Domingo, todos se reencontraram, quando sentados a mesa, com toda a família reunida, marcaram e celebraram o casamento de Marlene e Martinho.

3 comentários:

  1. Ohhh Martinho, quão surpreendente é o "destino"...que nos prega peças, por vezes, tão inusitadas e encantadoras!

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  2. O ser humano se perde com e em seus delírios... é uma pena!
    A inocência da infância deveria ser eterna, ela é desapegada de valores materiais, de devaneios, de rompantes maldosos...!
    Os seres humanos cometem as mais diversas loucuras, rompendo barreiras de tempo e de espaço... que pena!
    Martinho nunca mais verá a futura avó de seus filhos de forma serena, com conduta cristalina, como outrora poderia ver... que pena!
    Parabéns pelo texto!
    Construa mais textos assim, para que eu possa apreciá-los!
    Sugiro que construa um texto fazendo uma crônica a dor das pessoas que sofrem aguardando por justiça! Gostaria de ver a forma que você irá conduzí-lo!
    Haydê Lapenda

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  3. Pois é essa insana e curiosa humanidade...

    Obrigado Hayde!

    Gostei da sugestão... Vamos ver se sai algo ;)


    Beijo

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