domingo, 2 de maio de 2010

A CURANDEIRA

Mônica Barros era do tipo “mulher que pode”. Tinha status e independência financeira e se orgulhava disso. Na verdade, desde a escola ela era admirada pelo desempenho e postura madura que patrocinava. Seu codinome entre as coleguinhas era «N & N», pois conseguia conciliar notas & namoros. Quando Mônica foi aprovada no vestibular, para o curso de medicina da UFPB, tratou de acabar o namoro do momento, pois, naquele instante, entendia ter a obrigação de estudar de “verdade”.

Na universidade, ela se destacou pela dedicação às disciplinas o que ecoou numa admiração geral de todos os alunos, professores e funcionários, além de resultar numa excelente média geral. De fato, Mônica detinha a maior média de sua classe. Ao final do curso, fora eleita oradora de sua turma e ganhou uma medalha de honra ao mérito do Centro de Ciências da Saúde. Mal se formara médica já fora aprovada no Programa de Saúde da Família (PSF), que conciliou enquanto pôde com a residência em dermatologia. Foram anos de muito trabalho, muito aprendizado e poucos namoros, na verdade, nenhum que se possa creditar como sério.

Enfim, os anos de cumulação do PSF e plantões, em hospitais privados e públicos, possibilitaram reservas econômicas, que unidas a algum capital paterno realizaram o sonho de sua própria clínica de dermatologia. Mônica fora um caso típico de sucesso fruto de competência e sagacidade. Em sua mente, o sucesso era uma questão de tempo e vinha com absoluto merecimento.

Aos 35 anos estava no auge profissional. Clínica estabilizada, pacientes numerosos e satisfeitos com o atendimento e atenção que Mônica os oferecia. Em verdade, destacava-se o alto grau de informatização de sua clínica e os recursos humanos de alta capacitação. Tudo, obviamente, sob a tutela da médica chefe e, também, diretora geral: Mônica Barros.

Justamente, na época que atingira o ápice profissional, inclusive com o seu doutoramento acadêmico pela USP, algo parecia faltar-lhe. Uma náusea tomava conta de sua alma. De alguma maneira, sua existência estava questionada. A dúvida nunca tinha feito parte de sua vida, mas parecia se alojar velozmente em sua vida.

Nada mais havia o que galgar na medicina. Seu mundo passara a ser deforme e volátil, não mais tinha a firmeza de ações como outrora. Toda esta ebulição questionadora de sua vida trouxe-lhe um sentimento de inutilidade, de infertilidade, e esterilidade. Dentro de sua racionalidade Mônica diagnosticou o problema como “desejo inconsciente de maternidade”. Ocorre que, logo, tal desejo inconsciente transformou-se em consciência. Neste período (trinta e oito anos e solteira) constatou que sua vida afetiva fora nula, ou melhor, anulada. Resumia-se a casos esporádicos e de pouca durabilidade. Lembrou-se de Paulo talvez o mais sério envolvimento que se permitiu. Mas concluiu que tudo que construíram juntos foram alguns momentos de agasalho sobre a fria maca hospitalar em plantões entediantes. Paulo passou, estava até casado e, já fazia tempo. A vida passara e Mônica ocupada ou concentrada demais não percebera.

À busca da maternidade, então, ela se entregou. Seria a cura da sua patologia espiritual. “Havia tempo”, pensava. Ocorre que esta ânsia de maternidade afastava os homens que se envolvia. A cronologia natural dos relacionamentos não mais lhe apetecia. Não podia se dar ao luxo de uma história completa de amor, com início, meio e fim. Em sua convicção, só o meio para o fim interessava.

Sem poder mais esperar pelo acaso, ou qualquer outro curso natural dos acontecimentos, restou para Mônica a inseminação artificial. Foi justamente deitada na maca da clínica de inseminação que aceitou os fatos. Como uma curandeira, aprendeu todos os elixires contra os males físicos, os ensinamentos que sua cultura propiciava. Como uma curandeira, teve fé em tudo o que fez. Como uma curandeira, dedicou-se à tribo e esqueceu-se de si. Curou muitos dos perigos da vida, e, naquele instante, durante a cópula esterilizada, precisa e autômata, pôde diagnosticar que viveu doente sem amor.

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Caramba, eu agora fiquei com medo vice!!rsrs Esse ficou show de Bola Negão, como todos os outros, retrata sem pecado a mulher moderna como disse Anne!
    Abração

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