terça-feira, 6 de julho de 2010

NADA

Alberto era o caçula da família de três irmãos. Seus irmãos sempre foram fortes e atléticos, mas Alberto não. Na verdade, Alberto, apesar de não se dedicar a qualquer esporte, tinha uma estrutura física avantajada. Fazia questão de dizer: "Tudo natural! Sem malhação nenhuma! só o dedinho de Deus.". Por ser o caçula, Alberto sempre foi protegido e isto acabou afetando-lhe a personalidade. Talvez por não ter resolvido boa parte das broncas que patrocinara na adolescência, Alberto tornou-se um namorado altamente ciumento e machista. Azar da Ana.

Ana reclamava, mas, no fundo, gostava do ciúme excessivo de Alberto. O estilo dele - “homem brabo do sertão” - tinha lá seu charme. Porém, Alberto, vez por outra, mandava ela se calar na frente dos outros. O ato machista e agressor encontrava em Ana apenas obediência. Assim, do namoro para o noivado foi um pulo. O casamento chegou tão rápido quanto. Festa linda, com um certo requinte. Ana muito feliz. Alberto meio incomodado com tanta “cerimônia”, mas cumpriu seu papel. Aguentou as infinitas fotos. Depois, concluiu que não sorriria mais durante meses, o estoque havia esgotado.
A vida de casado ia bem entre os dois. Alberto não era farrista, era do tipo que bebe domingo, mas só em casa com os amigos e a família, sem badalações. Ana, até que gostava de um movimento, mas abdicara, conscientemente, desta predileção no “sim” do casamento. Alberto gostava mesmo era de receber os irmãos, os cunhados, seus pais e sogros em casa. Comer bem, beber melhor ainda, e jogar conversa fora enquanto as mulheres lavavam a louça.

No entanto, apesar de toda essa vida pacata que levava, Alberto fazia questão de demonstrar seu ciúme. Certa vez, por exemplo, proibiu Ana de comprar qualquer coisa na padaria do bairro, pois cismara que o padeiro “estava sorridente demais” para sua esposa. Ana ficava revoltada, mas se submetia. Porém, Alberto tinha uma grande qualidade, era atencioso com sua família. Não deixava de cumprir com os compromissos familiares, enfim muito trabalhador. E mesmo, na vida puxada de engenheiro civil de uma grande construtora pessoense, fazia questão de pegar e levar as crianças no colégio.

O espírito agitado do varão afetava-lhe o sono, que acabava por ser leve. Facilmente, despertava a qualquer sinal de barulho. Muitas e muitas noites, acordava, na madrugada, achando ouvir algum barulho estranho nos arredores da casa. Por vezes, eram gatos em coito, naquela algarraza felina que parece violenta, mas sem a qual não haveria os amados gatinhos. Outros barulhos não eram identificados. Essas ocorrências acabaram por se tornar rotina. Alberto acabava por aproveitar-se da situação e fazer uma média com Ana. Perguntava:

- Você ouviu? - mesmo sem ter certeza se ouvira.
Ana respondia assustada:
- Não! O que?!
E Alberto aplicava o golpe:
- Vou ver! Reze para não ser nada, pois se pego um marginal aqui... eu mato!
Ana ficava apreensiva, até o retorno do amado. Alberto de forma segura e enfática pronunciava:
- Não era nada, Amor. Venha mais para cá, venha...
Ana tinha motivos para sua apreensão, pois em poucos anos a vizinhança se modificara, de um lugar calmo e tranqüilo, para um ponto perigoso. Ocorre que, certa noite, Alberto acordou com um barulho realmente. Eram passadas no jardim. Pensou no que fazer, mas um frio percorreu-lhe a espinha, um suor gélido inundava a testa. O pior que as passadas eram intercaladas com barulhos outros. Ana acabou por acordar. E disse:
- Amor! Tem alguém lá fora!
Alberto, após uma certa pausa, respondeu:

- Não é nada, Ana.
Ana, no entanto, retrucou:
- Você não está ouvindo!? Tem alguém lá fora! No quintal!
Alberto, então, segurou-lhe o rosto com as duas mãos e repetiu lentamente:
- Não é nada Ana! Nada! Entendeu!?
No dia seguinte Alberto sentira falta dos sapatos que colocara para secar após engraxá-los. Ana, também, sentira falta das roupas que estavam no varal, mas nem chegara a comentar com Alberto. Na verdade manchas de pés no muro do quintal falavam por si próprias. No final de semana seguinte, Albertou pintou todo o muro. Desde então, Alberto não mais incomodou Ana com perguntas controladoras.
Na primeira reunião de família seguinte, recebendo o cunhado em casa, após o almoço, colocou o avental e começou a lavar a louça. Seu cunhado surpreso disse de forma jocosa:
- Lavando os pratos! Que novidade é essa?
Ao que Alberto respondeu firme e sério:
- Isso mesmo! O que tem de mais nisso? Lavar? Passar?!
O cunhado então respondeu:
- Nada, ora!
Replicou Alberto em sua intervenção final, meio disperso:
- Pois é, não é nada demais. Nada...

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Não imaginei que aquele machista do Alberto fosse acabar lavando pratos... 'A vida como ela é!' hehehehehe....

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  3. Ana se deu bem!! :)
    Excelente, rs.

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